O acesso à água é essencial na luta contra a Covid-19

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Gloria and other hygiene club members washing hands with soap at the handwashing bay on the newly constructed sanitary block at Insaca School, Mecanhelas District, Mozambique, May 2018.
Image: WaterAid/ Chileshe Chanda

O mundo, tal como o conhecemos, mudou. Em todo o lado, os países estão a combater uma pandemia mortal para a qual não estavam colectivamente preparados. Actualmente, o número total de pessoas infectadas ronda os 5.5 milhões, das quais pouco mais de 350000 perderam a vida. Esses números provavelmente escondem a imagem verdadeira e, sem dúvida, continuarão a aumentar.

Apesar de Moçambique apresentar melhores resultados do que muitos países, houve recentemente um aumento significativo nas cadeias de transmissão. Isso levou a OMS a declarar que o país está entrando numa nova fase da epidemia. É razoável supor que o país enfrentará uma batalha semelhante à dos outros para conter o vírus. O que também está a tornar-se cada vez mais claro é que esta crise não terminará numa questão de semanas ou meses. Um mundo com o coronavírus é o novo ‘normal’ que está aqui para ficar para um futuro previsível.

Os esforços do Governo moçambicano, em especial do Ministério da Saúde, para combater e conter o vírus são de louvar. Embora alguns destacados líderes mundiais tenham tomado uma posição questionável para controlar a pandemia, devemos estar gratos pela acção decisiva que foi tomada aqui. Um Decreto Presidencial que estabelece o Estado de Emergência foi um passo importante e vemos e ouvimos, diariamente, as medidas de prevenção que precisamos  tomar para nos mantermos seguros. Uma estratégia clara para conter o vírus é fundamental, dado o risco do sistema de saúde ficar rapidamente sobrecarregado, se for necessário tratar um grande número de casos, num curto período.

O distanciamento social é uma parte fundamental desta estratégia de contenção. Trata-se da ideia de que precisamos de nos manter a pelo menos um metro e meio afastados dos outros para evitar o risco de infecção. Alguns países, como a África do Sul, implementaram esta medida, impondo um confinamento muito mais rigoroso. Esta política é difícil de manter por um período prolongado. Num país como Moçambique, o distanciamento social tem sido extremamente difícil de seguir para a maioria das pessoas. Como é que se mantém o distanciamento social num mercado movimentado como o de Zimpeto? Ou num chapa cheio de gente à caminho do trabalho? Ou à espera de tratamento em um hospital?

Outra mensagem fundamental que está a ser transmitida é a importância da lavagem das mãos. Falando do ponto de vista de uma organização que vem se debruçando sobre higiene há quase quarenta anos, estou muito empolgado por esta prática estar, agora, a ser promovida com tanto fervor. A simples acção de esfregar as mãos com água e sabão pode, efectivamente, matar o parasita microscópico que conduziu a um nível de sofrimento humano tão incrível e ao encerramento de grande parte da economia global. Será possível que algo tão simples como uma barra de sabão consiga neutralizar esta ameaça? Será isto tudo o que precisamos para salvar as nossas vidas e as das nossas famílias e evitar uma nova Grande Depressão que atrasaria o nosso desenvolvimento durante décadas?

Infelizmente, a resposta simples é não. Leia esta frase mais uma vez e notará que a lavagem das mãos com sabão requer um outro ingrediente essencial para nos defender contra o coronavírus. Água. E não apenas qualquer água. Água segura e livre de contaminação. E aqui reside o problema. Lavar as mãos não é um acto simples, se não tiver acesso a água segura e fiável. Infelizmente, esta é a realidade para quase metade (46%) de todos os moçambicanos em 2020.

A garantia de um acesso fiável à água potável para todos está consagrada nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, que foram assinados colectivamente por governos de todo o mundo, incluindo Moçambique. O objectivo é alcançar o acesso universal à água até 2030. Há ainda um longo caminho a percorrer e a pandemia da Covid-19 injectou uma nova urgência. A relação entre o acesso à água e a saúde da população nunca foi tão clara. Se queremos proteger-nos deste vírus, e de muitos outros que já existem ou que virão no futuro, as pessoas têm de ter acesso à água para poderem praticar a lavagem regular das mãos em casa, nas escolas, nos estabelecimentos de saúde e em locais públicos.

Embora tenham sido obtidos ganhos significativos no aumento do acesso à água, em especial nas zonas urbanas, muitas zonas rurais continuam a ficar para trás e existem enormes discrepâncias entre as províncias. As águas subterrâneas continuam a ser um vasto recurso inexplorado por desenvolver. O investimento tem de ser inteligente e não só em infra-estruturas, mas também no desenvolvimento de modelos de gestão e mecanismos de apoio adequados para garantir que a água continue a fluir. As tarifas da água são necessárias para cobrir os custos de funcionamento, mas devem também ser acessíveis para os mais pobres.

Alcançar a todos em Moçambique com água vai exigir um esforço concertado do Governo, dos Parceiros Internacionais de Desenvolvimento e do Sector Privado. Exigirá uma forte liderança, coordenação e, acima de tudo, recursos - tanto humanos como financeiros. Mas pode e deve ser alcançado se quisermos assegurar um futuro seguro, saudável e economicamente produtivo que este país justamente merece.

Adam Garley, Director Nacional - WaterAid Moçambique